segunda-feira, 12 de março de 2018

Palestra Riqueza Ignorada/Grande Descoberta


Mergulho na Vida com Claudia Canto


Morte às Vassouras

Brasil, agosto de 2002.
Uma crise interminável no meu país,  dividas incontáveis, sede de conhecimento, entusiasmo e, e, e...
Tudo isto foi o chamariz para a tomada de decisões.
Eu me uni a uma amiga, congratulamos a decisão e começamos os preparativos.
Minha primeira viagem internacional. Até então, nunca havia saído do Brasil, nunca havia saído dos pés da minha mãe.
Através de um classificado no jornal, descobrimos uma agência de empregos: “Trabalhe em Portugal, com direito a adquirir visto de trabalho, pague metade agora e a outra metade, quando estiver trabalhando”
Entusiasmadas, fomos conhecer esta promessa de paraíso na Terra.
O agenciador era um japonês, comunicativo e pitoresco.
 O valor da empreitada: duas vezes a passagem de ida e volta para Portugal, mas a grande vantagem, segundo sua argumentação, era o emprego que arrumaríamos, logo que chegássemos, além do visto de trabalho.
“O único problema será o choque cultural: a adaptação nos primeiros meses, à organização do primeiro mundo, as responsabilidades de horários.
Ah! E as saudades da família e dos amigos? Pensem bem!
Normalmente, vão só quatro pessoas pela agência, para não causar desconfianças; é preciso levar pouca bagagem e agir com muita, muita discrição no aeroporto.
E mais: parcelamos em 12 vezes, e só depois do primeiro salário”...
Interessadas, voltamos à agência, só que desta vez não fomos sozinhas.
Conosco estavam, um alemão taciturno e viajado, o pai da minha amiga, um negro infinitamente astuto, minha mãe, dramatizando, querendo saber todos os detalhes e minha irmã, uma sagaz professora da periferia.
Todos querendo desmascarar o vilão pela possível falcatrua.
As únicas que acreditavam na honestidade do japonês, eram a minha amiga e eu.
Saíram com a certeza, que o emprego que ele nos arrumaria seria: Vendedoras, mas “Vendedoras de Desejos”.
Depois de muitas investigações, contrassensos, opiniões e conselhos, desistimos das promessas do japonês e decidimos ir sozinhas.
Europa, para mim, era o começo da Bem Aventurança; emudecemos as vozes do juízo, que insistia em compartilhar nossas decisões.
Saí do meu emprego, vendi meus móveis, minha velha bicicleta, informei minha família...
Planejávamos nossa viagem com tanto entusiasmo, que daria um belo filme de aventura.
Procuraríamos as ONGs, o Teatro, os Meios de Comunicação, e se preciso fosse, seríamos empregadas domésticas.
Leis contra imigrantes!?
Não era problema, ou melhor, não tocávamos no assunto, driblávamos esses pormenores, ceifávamos tudo com muito otimismo.
Mas, drasticamente, o pai da minha amiga, um dos nossos maiores incentivadores, de um infarto súbito morre, e com ele os sonhos dela.
Agora estava sozinha, eu e meus sonhos.
Não contava mais com ninguém, não dava para voltar atrás...
Não tinha mais emprego, móveis ou coisa que o valha.
Só tinha uma ideia fixa, perturbadora na minha cabeça.
Ir para a Europa...
No aeroporto estavam minha família, meus amigos, era como se eu estivesse a caminho da guerra. Todos fingiam coragem, o indefinido prazo para a volta, era o que mais causava desconforto. Minha mãe era a única que não fingia, chorava como uma criança, foi embora antes do embarque e pela primeira vez depois de adultas, eu e a minha irmã nos abraçamos, um abraço sofrido e cúmplice, ela sabia que eu estava fazendo tudo isto por eles também.
Desembarquei em Portugal sem pontos de referência, no bolso 500 Euros e o endereço de um tal pastor evangélico, que me indicaram no Brasil, a partir daí começa minha verdadeira vida na Europa.
O Destino conspirava, a sorte se fazia presente e naquela hora, naquele momento, tinha absoluta certeza que era chegada a minha vez.
Emprego para imigrantes, não era tão fácil como eu supunha.
Tentei emprego em jornal de bairro, cafés, restaurantes, mas a multa para quem contratasse pessoas ilegais era altíssima, o dinheiro estava ficando cada vez mais escasso...
Tomei conhecimento de uma agência, que selecionava empregadas domésticas.
Mal sabia eu que viveria uma das experiências mais marcantes da minha vida, e que esta história se tornaria um livro, ou melhor mais do que um livro, um desabafo desesperado.
Fui trabalhar em uma mansão em Lisboa como empregada doméstica ...
O trabalho seria em regime interno, não imaginava direito as proporções de tais condições de trabalho. Fiquei praticamente em um exílio domiciliar, consegui aguentar por 12 meses, ao final sucumbi, desisti de tudo e voltei ao Brasil.
Trouxe comigo essa história gritando na minha alma, com a promessa de contá-la para o maior número de pessoas possível.
Para isso escrevi um livro intitulado: “Morte às Vassouras” e hoje ministro palestras sobre autoconhecimento, autoestima, e como somos Raros, Ricos e Milionários  e muitas vezes não sabemos... Principalmente para as mulheres das grandes periferias, presídios e escolas.