sábado, 12 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Ano Novo no Complexo do Alemão

Ano-Novo no Alemão
Afinal, o que tem de verdadeiro nas notícias que vêm do apoteótico Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro

http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/151/artigo208091-2.asp




Resolvi verificar o que de fato estava acontecendo por lá. Ver e ouvir as remitências de todo este processo. Confesso que a minha decisão foi tomada na exatidão de alguns suspiros. E foi assim, de forma improvisada, que no dia 31 de dezembro desembarquei na rodoviária do Rio de Janeiro. Assisti a uma cidade em ebulição, pessoas num ritmo alucinado, correndo por todos os lados, buscando alcançar uma condução para os inúmeros eventos que a cidade ofereceu. Desta vez, o governo teve a ideia de tirar o monopólio de Copacabana, espalhando palcos em mais oito bairros. Seria esta uma tentativa de reservar a princesinha do mar apenas aos turistas? O fato é que naquele momento me pareceu que só eu seguia o caminho inverso.
Na Central do Brasil, esperei por cerca de duas horas um ônibus que me levasse ao meu destino. Cansada de esperar e vendo as horas se adiantarem, resolvi cometer a heresia de pegar um táxi.
Este meio de transporte, a menos de meia hora da virada, era quase a mesma coisa que ficar exposta ao perigo de uma bala perdida. Mas tinha a ideia fixa de passar o ano-novo na casa de alguma família no Complexo do Alemão, e assim o faria. No táxi arrisquei a pergunta:
"Como está o clima no Alemão?" A resposta veio junto com um sorriso: "Agora está tudo bem! Pode entrar lá sossegada, sem medo... Te deixo no pé do morro e você vai subindo", disse o motorista. Foi só quando ouvi a palavra medo, que tive a exata noção do que estava pretendendo fazer. Mas já era tarde para grandes reflexões. Cheia de expectativas, adentrei o Complexo do Alemão e me deparei com dezenas de carros da polícia e homens fortemente armados. Sem saber para onde seguir, resolvi sentar em um bar, na esperança de conhecer pessoas, mas minha primeira tentativa foi em vão. Percebi que não seria fácil conseguir algum amigo de última hora, as pessoas olhavam esquivas para mim, logo percebiam que eu não era do bairro. Decidi ir para outro bar, pedi uma cerveja e fiquei ali, despretensiosamente observando a movimentação. Resolvi tentar conversar com duas mulheres, mas, ao perceberem o teor das minhas perguntas, foram logo dizendo que não sabiam de nada.

Em outra tentativa, a sorte sorriu para mim e, aquilo que tinha planejado, aconteceu. Passei o ano-novo na casa da família Silva. Pude perceber que naquela casa todos apoiavam a iniciativa do governo, mas certa dose de insegurança ainda permeava os pensamentos por lá. "Hoje em dia podemos circular por todos os lados, antes vivíamos subjugados, 'eles' ditavam as ordens, não tínhamos tranquilidade, não tínhamos segurança nem dentro da nossa própria casa", diz Dona Ivonete, que me aponta o cachorro da família, vítima de estilhaços de vidro causados por bala perdida. E continuou: "Mas sei que não acabou, tem muitos deles escondidos por aí", conta. Percebi em todos, a todo o momento, que a ocupação da polícia tinha sido uma das melhores coisas que poderia ter acontecido. Mesmo inseguros com o futuro, comemoravam o presente. Conheci histórias recheadas de romantismo. Uma delas foi a de Marcelo, que preferiu não ser fotografado. Aos 26 anos, nunca havia ido à padaria da esquina da sua casa. Depois da ocupação, ele foi ao estabelecimento pela primeira vez. "Voltei animado, e tenho esperança que tudo vai mudar daqui para frente", afirmou, emocionado. Marcelo seguiu conversando comigo, mas a mãe interrompeu. "Minha filha, não tire foto da gente, não quero que me identifique, porque onde tem ninho de cobra, as cobrinhas ficam lá", explicou.

Meu próximo passo era encontrar alguém ligado aos Direitos Humanos nas favelas. Foi então que cheguei a Gisele Martins, jornalista e moradora do Complexo da Maré.
Ela acompanhou de perto a invasão no Morro do Alemão e se mostrou bastante descrente em relação a este poder bélico que, de uma hora para outra, resolveu proteger a comunidade. No meio da entrevista, Gisele tomou um susto ao ouvir um barulho de fogos de artifício na rua.
Depois de recomposta, revelou que tem traumas e que a qualquer momento sente que poderá acontecer um conflito. "O que a gente aprende na favela é que quando se vê um 'caveirão', a ordem é correr! Já houve tempos em que não consegui sair nas ruas. No dia da invasão ao Alemão, pensei nas famílias, na invasão de suas casas de forma truculenta, nas pessoas que não têm voz para reclamar", afirmou. Para ela, a mídia dá a entender que todo mundo que mora na favela tem envolvimento com o tráfico. A maioria das pessoas, porém, trabalha, sai às 5 horas da manhã de casa, chega tarde da noite querendo descansar. "Mas infelizmente, a todo o momento tem helicóptero em cima de nossas casas, impedindo a gente de circular. Nossas casas são invadidas, somos desrespeitados, humilhados, isso ninguém revela. A mídia não mostra as atrocidades que são cometidas. As UPPs entram com a ideia de trazer uma cultura que não é nossa, querem mudar o nosso modo de viver. Cultura a gente já tem, não precisamos do modo de viver do Leblon", resume Gisele. Tudo isto épor causa da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas em 2016. Mas, e depois, como vai ficar?