sábado, 25 de agosto de 2012

Por Claudia Canto( Cidade Tiradentes- Revista Raça)

Por Claudia Canto- Revista Raça Brasil Considerado o maior complexo habitacional da América Latina, a Cidade Tiradentes completou 28 anos e ganhou de presente novas cores e adereços
Segundo o último censo do IBGE, são 219 mil pessoas distribuídas em 40 mil unidades habitacionais, e cerca de 60% da população se autodeclara negra e parda. Mas não estamos falando de um município. Na verdade, a Cidade Tiradentes ainda carrega este nome por absoluta modéstia. O bairro, que fica no extremo leste de São Paulo (distante 35 quilômetros da capital paulista) e com características bem peculiares que chamam a atenção de estudiosos, é considerado o maior complexo habitacional da América Latina. E por lá, o que antes era considerado um pesadelo arquitetônico de cores cinzentas, está ganhando novas cores, graças à iniciativa de um grupo de grafiteiros que resolveu mudar a cara do local. Com muita tinta e criatividade, o coletivo 5 Zonas está mudando a roupagem dos prédios e fachadas do bairro. A ideia é colorir a Cidade Tiradentes, fazendo arte aliada com as características da maioria da população, formada por pessoas alegres e hospitaleiras. A intenção, com o tempo, é transformar em obra de arte um número cada vez maior dos vários prédios do complexo. "Quando notamos que faltava identidade plástica e artística no bairro, pensamos em criar uma referência com a intenção de incluir o bairro nas páginas de cultura e lazer dos jornais", comenta Everaldo, um dos integrantes do coletivo. " O trabalho requer muita dedicação e paixão pela arte, contudo, o retorno traz muita satisfação e orgulho " Coletivo 5 Zonas
Mudança de conceito A história do bairro confunde-se com a de outros tantos que nascem aos montes nas periferias. Muitos moradores vieram de cortiços, favelas, subabitações ou então mudaram quando não tinham mais condições de assumir os aluguéis supervalorizados. Na Cidade Tiradentes, a cada dia aumenta o número de habitantes - são mais de 16.309,67 habitantes por km2. Prova dessa superpopulação é o transporte público insuficiente. Segundo os moradores, é um dos principais dramas do local, além da distância da região central. As ruas estreitas e a duas únicas vias para entrar no local não comportam a grande quantidade de veículos que circulam por lá todos os dias. Ainda em relação ao transporte e a enorme distância da Cidade Tiradentes, é de lá que sai o famoso ônibus linha 3310, que tem o trajeto (noturno) mais extenso de São Paulo, um percurso aproximado de 106 quilômetros, passando por ruas e avenidas de 16 bairros. Ao longo dos seus 28 anos de existência, a Cidade Tiradentes cresceu muito e conheceu as faces negativas do progresso inevitável. "Parte da nossa enorme área verde desapareceu e, em seu lugar, foram construídas, clandestinamente, dezenas de casas. Aos poucos, um novo bairro dentro da Cidade Tiradentes foi aparecendo, formando a famosa 'Cidade informal', constituída por barracos instalados, principalmente, em áreas privadas e nas encostas dos morros", alerta Dona Ana, moradora do bairro desde a sua inauguração.
" A iniciativa é apoiada pelos artistas locais, mas alguns moradores não aprovam a ideia, o bairro ainda não assumiu a cultura de ver paredes pintadas com desenhos, isso é novo aqui. Mas acreditamos e queremos que isso mude "
A realização do sonho da tão cobiçada casa própria foi o principal atrativo para que muitas famílias mudassem para a Cidade Tiradentes, mas no início, a falta de infraestrutura e a escassez de oportunidades de trabalho fizeram com que muitos moradores vendessem suas casas por valores abaixo do valor real. "Quando vim pra cá, era muito complicado, não tínhamos nada, absolutamente nada. Parece que nos jogaram aqui com o objetivo de nos manter longe. Construíram as casas, mas esqueceram da segurança, do lazer, da escola e do transporte público. Não tínhamos onde comprar comida, muitas vezes tive vontade de ir embora", relembra Miriam dos Santos, moradora antiga que hoje se diz feliz ao perceber que os jovens que ela viu crescer se transformaram em artistas. "Um prédio que antes era feio e sem vida, aos poucos, ganha outra forma. Quando passo e vejo aqueles traços nascendo, fico sempre pensando, o que vai sair daquelas linhas embaralhadas? É verdadeiramente uma obra de arte, que não perde em nada para nenhum artista renomado, sou fã destes meninos", conta Miriam, emocionada. E os elogios ao trabalho do coletivo continuam com Dona Ana, cujo carinho pela Cidade Tiradentes é difícil de medir. "É como se estivessem reconstruindo o bairro. Fico muito brava quando falam mal daqui. Só quem já morou em subabitações sabe valorizar o lugar que mora. Antes não tínhamos nada, nem onde comprar pão, hoje temos tudo. Sou feliz na minha casa, e daqui ninguém me tira, tenho certeza que podemos transformar a imagem da Cidade Tiradentes com iniciativas como esta." A revitalização do bairro baseada no graffiti, porém, não é consenso entre a população da Cidade Tiradentes. Muitos moradores ainda encaram a iniciativa do coletivo 5 Zonas com certo preconceito, principalmente devido ao modo equivocado com que enxergam o conceito de arte. "A iniciativa é apoiada pelos artistas locais, mas alguns moradores não aprovam a ideia, o bairro ainda não assumiu a cultura de ver paredes pintadas com desenhos, isso é novo aqui. Mas acreditamos e queremos que isso mude. É um processo lento que exige muita calma e persistência. O engraçado é que quando a arte é concluída, muitos dos que torciam o nariz vêm nos cumprimentar," afirma Tota, integrante do coletivo. Conheça o "bairro". Na periferia, um celeiro cultural Em meados de 1970, habitações desordenadas cresciam em todos os cantos de São Paulo. Diante deste cenário, o poder público iniciou o processo de aquisição de um grande terreno no extremo leste da cidade. Das fazendas da época da escravidão, surgiu a Cidade Tiradentes. Com o tempo, o bairro ganhou enormes proporções. Seus moradores cresceram com a inúmera quantidade de bares e igrejas que, até pouco tempo, ofereciam alguns dos poucos momentos de descontração dos habitantes, oriundos de todos os cantos da metrópole. Para os que estão de fora, o distrito é visto como um pesadelo arquitetônico. Mas para os moradores, o sentimento é paradoxal, indo do amor à dor em instantes. Atualmente, a Cidade Tiradentes assegura um convívio menos conflituoso. Em uma tentativa de evitar a total deteriorização da área verde, foi construído um parque com um amplo espaço de convivência. Seu nome reproduz a estética do bairro: "Parque da Consciência Negra". A Cidade Tiradentes (abaixo), é considerado o maior complexo habitacional da Améria Latina Além dele, praças públicas com espaço de lazer para crianças e adolescentes, hospital público, escola técnica, centro educacional unificado, entre outras melhorias, trouxeram mais conforto e lazer aos habitantes. Apesar de certa melhora na infraestrutura, lazer e locomoção, a oferta de empregos é ainda muito pequena em relação ao número de habitantes, o que faz com que a maioria literalmente viaje, todos os dias, cerca de 35 quilômetros para chegar ao local de trabalho. Por lá, não raro encontramos artistas independentes que contribuem para a cultura local com teatro, hip hop, funk, samba, dança, poesia e artes plásticas. Juntos, acabaram causando o interesse da grande mídia e colocando o bairro em posição de destaque na imprensa. A Cidade Tiradentes também é alvo de pesquisa do renomado Instituto Polis que, em parceria com o Centro Cultural da Espanha, realizou um amplo trabalho em busca dos artistas "pratas da casa". O objetivo é a criação de um site destacando a arte de cada um deles. O projeto, chamado Mapa das Artes, apresenta diversas atividades artísticas por meio de vídeos que deram origem ao curta-metragem Lá do Leste, dirigido por Carolina Caffé e Rose Satiko. Quem são os artistas? " Um prédio que antes era feio e sem vida, aos poucos, ganha outra forma. Quando passo e vejo aqueles traços nascendo, fico sempre pensando, o que vai sair daquelas linhas embaralhadas? É verdadeiramente uma obra de arte, que não perde em nada para nenhum artista renomado" Artistas do Coletivo 5 Zonas O Coletivo 5 Zonas nasceu na Cidade Tiradentes a partir de um projeto realizado em 2007 - o 5 Zonas de Graffiti - cujo resultado foi a pintura de fachadas em cinco regiões de São Paulo: zona leste, oeste, norte, sul e central. Desde então, os artistas passaram a ser reconhecidos em todos os cantos e tiveram a ideia de adotar esse nome. Os integrantes Tota, Eve14, Sow e Hope dizem que santo de casa não faz milagre, mas esse ditado não se aplica ao 5 Zonas que, desde a data de sua criação, vem desenvolvendo projetos no bairro e promovendo uma grande transformação no local. A precariedade de cultura e arte é um dos motivos principais para a escolha da Cidade Tiradentes como palco de suas iniciativas, e, é claro, o aspecto emocional também conta. A pesquisa é um dos elementos usados pelo grupo para iniciar uma pintura, espelhando-se sempre na educação, cultura e poesia, sem perder, no entanto, as características de cada bairro. O coletivo (que criou a revista Graffiti Poético) não se restringe a determinada área. Sua grande característica é debater a arte do graffiti por todos os lados e pesquisar o efeito do trabalho nas pessoas. Para tanto, o 5 Zonas abusa das formas distorcidas nos personagens, além de cores fortes que, muitas vezes, gritam, como se dissessem: "Pare, olhe e reflita!" "Acreditamos no potencial do nosso graffiti e na alegria que ele vai transmitir para a população. Sempre trabalhamos com esse objetivo, fazemos arte para incentivar as pessoas. Além disso, queremos contribuir com a cultura da paz e da alegria e também despertar a curiosidade da população," diz Tota. Já Everaldo tenta equacionar os valores que envolvem o trabalho do grupo: o financeiro e o emocional. "O valor da pintura de um prédio é de aproximadamente R$ 18 mil, incluindo a logística, mas o valor emocional, com certeza não pode ser contabilizado; teriam que investir milhões, considerando, é claro, que um bairro bem cuidado contribui muito para elevar a autoestima da população, que se sente mais prestigiada." A revitalização esta sendo realizada com recursos do Programa de Ação Cultural da Secretaria do Estado da Cultura (ProAC). O projeto foi escrito e produzido pelo próprio coletiv

Raça Brasil | Revitalização com arte - Considerado o maior complexo habitacional da América Latina, a Cidade Tiradentes completou 28 anos e ganhou de presente novas cores e adereços

Raça Brasil | Revitalização com arte - Considerado o maior complexo habitacional da América Latina, a Cidade Tiradentes completou 28 anos e ganhou de presente novas cores e adereços