quinta-feira, 21 de julho de 2011

Mundo dos Raros em Paraty

Mundo dos Raros em Paraty

Tudo levava a crer que aquela viagem à Paraty, no encalço dos literatos mais renomados seria como uma via crucis no deserto.
As únicas coisas que tínhamos além da nossa ousadia eram as vassouras que compunham nossos personagens.
Nosso objetivo era fazer intervenções artísticas nas ruas.
Empunhávamos a bandeira - Morte ás Vassouras, um brado em defesa das empregadas domésticas.
A cidade cheirava poesia e malícia, com escritores e poetas maloqueiristas em todas as esquinas. A lua cheia iluminava a cidade, só que desta vez ela teria outra função: Testemunhar tudo que estava prestes a acontecer.
Num camping passamos a nossa primeira noite. Depois de termos sacudido toda a cena nostálgica e benfazeja de Paraty.
Vestida de empregadas domésticas, gritamos nos ouvidos de uma classe média suicida:
- Empregada não é escrava é cidadã e trabalhadora!!
Bradamos toda a indignação de suas empregadas, uma classe esquecida. Que nossa burguesia alienada costuma usar como artigo decorativo dos seus palacetes.


Preparem se para entrar em um mundo, onde os personagens estão ansiosos por experiências transcendentais, um mundo que só os raros são capazes de adentrar.
Tudo o que aqui subscrevo vem de acordo com a nossa alma desprovida de censura, além do clima romanesco que encontramos em Paraty.
A partir deste momento tudo o que for relatado, será um misto de ficção com traços realidade. Como já disse, nossa única testemunha era uma linda lua cheia, que aquelas alturas já deveria estar inebriada pelo vinho que bebíamos ao sabor das ondas do mar.

No meio do caminho havia enormes pedras!

Caminhava sozinho pelas ruas, procurando alguma emoção. Estava querendo curtir uma noite de sexo livre, sem compromissos, já que Paraty fervilhava de pessoas interessantes. Sabia que não tinha condições psicológicas para ir, além disto. Talvez porque não conseguisse esquecer aquela imagem...
Meu irmão ali estendido embaixo daqueles escombros. Oh Meu Deus! O quanto não deveria ter sofrido! Logo ele meu ídolo, aquele que foi exemplo para toda uma geração. Por insistência dele, estava tentando uma nova carreira, uma vida mais independente, menos irresponsável. Faziam menos de três meses que o acidente havia acontecido, e desde então me mantinha monossilábico, distante, mais do que sempre fora!
A única coisa que ainda me confortava eram aquelas noites de prazer, que preenchia minhas noites solitárias. Mas que duravam pouco, o período em que permanecia de encontro comigo mesmo, eram muito mais longo.
Antes “ela” me fazia companhia, mas de uma hora para outra, tudo ficou tão cansativo. Meu distanciamento a afastou ainda mais, resolveu seguir sua vida, foi atrás de alguém que a entendesse melhor, cansou de ser um objeto de decoração.
Eu no seu lugar, confesso, teria feito a mesma coisa...
Foi permeado com estes pensamentos que os encontrei. Seguia um pouco alcoolizado, tinha decidido arrumar uma companhia para passar a noite. Queria um colo que pudesse transferir um pouco da minha ansiedade.
Primeiro nos esbarramos na rua, eram atores amadores, soube que vieram fazer intervenção artística nas ruas do centro histórico.
Os encontrei saltitantes, excitados. Interpelaram-me com algumas frases de efeitos, mas diante da quantidade de vinho que havia ingerido, suas palavras me pareceram desconexas. Lembro que respondi com alguma cantada, não me lembro muito bem. Mais tarde os encontre em um quiosque na praia. Nossa aproximação foi imediata.
Tinha escolhido a minha companhia para aquela noite.
O que se passou a seguir foi todo o ritual do macho no cio. Na primeira abordagem fui rejeitado, ela tinha algo de diferente, era mais sagaz do que minhas outras vitimas.
Mas não desisti, tinha decidido que sairia com aquela mulher e isto iria acontecer.
Mas uma tentativa em vão, depois outra... Cansado daquele jogo de gato e rato, resolvi tomar a iniciativa e roubei-lhe um beijo. Ela inicialmente resistiu, mas depois acabou cedendo. O elo tinha sido feito, agora poderia ficar despreocupado. Não adiantava mais aqueles gatunos em volta dela. Já tínhamos selado um compromisso. Para mim nada daquilo me causava emoção, era apenas mais um beijo.
O que me causou certa curiosidade, eram algumas palavras que eles me dirigiam, me deixaram um pouco confuso. Não entendi o quanto eram raros, percebi que eles formavam um time que se complementavam.
Enquanto caminhávamos procurando algum lugar para uma última refeição, pensava como poderia levá-la para minha casa, sem ser indelicado com ele.
Com o tempo percebi que o meu intento seria em vão, não conseguiria, os dois não se desgrudavam. Quanto a mim, não me sentia motivado a compartilhar minhas experiências. O que buscava era apenas uma noite de amor sem complicações, mas aqueles dois tinham uma excitação tão grande pela vida, que me deixavam amiúde e sem jeito.
Enquanto eles contemplavam a paisagem, eu os admirava pela alegria de viver. Tudo aquilo, já não me transmitia muita coisa, meu tesao por aquelas paisagens já não era mais o mesmo.
Não conseguia me interar com aquelas pessoas. Eram como se estivéssemos em planos distintos.
A única coisa que conseguia pensar era na dor que o meu irmão havia sentido, uma morte abrupta e com conseqüências para toda uma geração. O único elo com o meu irmão era uma pedrinha, que guardava como se aquilo pudesse nos aproximar, eram poucos os momentos em que me separava dela.
Quando recebia algum convidado, sempre tomava o cuidado de guardá-la, não queria ter que dar explicações a respeito da sua origem, era a única coisa de valioso que tinha na minha casa. .
Dormimos os três na mesma cama, tontos pelo vinho, logo adormecemos, não sem antes trocar algumas caricias com ela. Que lembrando agora não passaram de meros toques sem profundidade. Confesso que foi apenas para dominar meus instintos, um desejo louco de possuir seu corpo nada mais.
Foi quando acordei que notei que a pedra não estava no local. Então num ato desmedido e insano, os acusei, sem pensar nas conseqüências.
Ele com calma olhava para todos os lados, como se estivesse procurando algum jeito de dominar minha ira. Enquanto ela aos gritos me chamava de louco, inescrupuloso, enquanto arrancava a roupa com ódio, querendo me provar que não havia roubado nada.
Desesperado passei a revirar toda casa, enquanto lembrava do meu irmão. Só depois de algum tempo, lembrei da gaveta secreta em que costumava guarda la. Para minha vergonha a pedra estava intocável no seu lugar.
Os pedidos de desculpas infindáveis, não foram o suficiente, tinha perdido a confiança de duas pessoas, que não sei por que, sentia que poderiam ser grandes amigos. Não soube receber o presente que a vida havia me dado.
Foram embora indignados e revoltados com a minha atitude...
Em casa sozinho, me sentia envergonhado, lembrava da minha atitude leviana. Foi quando olhei ao lado, e vi o casaco dela sobre a cadeira, talvez a vida estivesse me dando mais uma chance para me desculpar.
Pulei rápido da cama, vesti o casaco dela, e de bicicleta rodei a cidade inteira atrás dos dois. Quando estava quase desistindo, os enxerguei no caminho inverso ao meu.
Aproximei-me com o casaco na mão pedindo desculpas, e para minha alegria eles disseram que já haviam me desculpado!
Sinto que foi somente naquele momento que verdadeiramente nos encontramos, o resto não existiu, nascia ali uma comunhão de almas amigas.
Ela o amigo e eu!

Claudia Canto